segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Réveillon: para refletir

Tive que compartilhar essa reflexão de Stella Florence sobre essa festa tão popular....Muito bom.

 

 

Réveillon: vai mentindo a sua dor por Stella Florence

 

Se tem uma coisa que me irrita no fim de ano são os comerciais de TV. Eles parecem ter saído de uma mesma fábrica ou, seria mais exato dizer, de um mesmo molde com dupla estampa. De um lado temos locutores melosos declamando poemas enquanto crianças e adultos bem nutridos se abraçam; do outro, temos locutores megafelizes convocando a galera sarada a bombar noite afora, uhu!


Só uma vez, há muitos anos, eu vi um comercial realmente nota 10 com o tema reveillon. A peça publicitária, de uma famosa loja de roupas (C&A), era assim: na tela em preto e branco, modelos chiquérrimos e felicíssimos saçaricavam numa festa. Em câmera lenta, bem lenta, podíamos acompanhar seus movimentos subindo escadas, dançando ou cumprimentando amigos enquanto o preço das peças em destaque (vestidos, blusas, calças) aparecia na tela. Até aí, nada de novo. O grande diferencial dessa propaganda foi um toque tão sutil quanto devastador: a música. Durante essa feliz pantomima, ouvia-se apenas a melancólica Sorri (versão de João de Barro para a magnífica canção Smile, de Chaplin, Parsons e Turner), cujos versos agora reproduzo.


Sorri
Quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos, vazios
Sorri
Quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri
Quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados, doridos
Sorri
Vai mentindo a tua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz.

Ousada, brilhante e dolorosamente verdadeira, a propaganda da C&A foi uma crônica perfeita do que costuma ser a noite de ano-novo para uma boa parte das pessoas. Somos obrigados a vestir branco. Somos obrigados a comemorar urrando de felicidade quando o relógio bate meia-noite. Somos obrigados a esconder nossa angústia, nossos medos, nosso profundo enfado atrás de um sorriso de araque ou de um copo de bebida – ou de ambos. Mas quem nos obriga a fingir dessa maneira?

Neste ano-novo, que tal deixar as conveniências trancadas no porão? Durma, se você estiver com sono. Chore, se estiver triste. Alugue Piratas do Caribe ou O sétimo selo, se estiver com vontade. Peça desculpas para alguém, se isso for deixar seu coração mais leve. Diga para o seu pai (ou sua mãe) que, para variar, neste ano você quer ser muito elogiada, se o elogio dele for o que te fizer falta. Vá até a mesa do seu colega de trabalho, puxe sua gravata e tasque um beijo de cinema em sua boca, se ele for solteiro e isso lhe convier. Arrume o guarda-roupa, se você estiver no pique. Escreva um longo e-mail para aquele cara que não te quer, colocando suas entranhas para fora, se isso for te aliviar. Faça maçã do amor em casa e se lambuze, se isso te apetecer. Termine seu namoro, se ele já está mais morto do que vivo. Cumpra todos os rituais de boa sorte, se isso te acalma.

Eu desejo a você, portanto, não um ano-novo obrigatoriamente feliz, mas, para começar bem, um ano-novo verdadeiro.

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