sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Felicidade

Felicidade é uma decisão. Por isso muitas pessoas são infelizes: esperam que decidam por elas...
Por que gastar energia buscando desculpas para desistir... se podemos buscar motivos para não ceder?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Preconceito "Pagão" sobre a Morte?

Para a mente Celta, a Morte é apenas um estágio, e é necessária para que haja Renascimento e Renovação. 

Por isso me surpreende que alguns membros da comunidade pagã fiquem tão desconfortáveis diante desse aspecto relacionado à algumas divindades. Observo com curiosidade e certo divertimento até, como buscam evitar o assunto, mudar o rumo da conversa, ou evocar apenas a face benevolente de Deusas como Morrighan, Hécate, Perséfone e tantas outras Deusas Obscuras, seja de que panteão forem...
Creio que seja pelo condicionamento cristão que ainda deixa seu ranço na mentalidade de todos nós; pelo afastamento da ritualização da morte no nosso cotidiano; exploração da morte como espetáculo pela mídia ou "ideologias" e "modinhas", etc. São muitos fatores, sem dúvida. Bem, não sou psicóloga, nem pretendo.

Sim, concordo que devemos trabalhar com a Vida se buscamos o caminho Druídico, a "Sabedoria das Árvores" e da Terra, mas olhar apenas para o que nos agrada é esquecer de que tudo na Natureza forma um Todo Perfeito: Não há chama que não forme uma Sombra...Ou sombra que não nasça de uma Luz...Os Deuses não possuem conceitos de "Bem" ou "Mal", Eles simplesmente São. 
Nós é que buscamos compartimentar e rotular tudo, colocando sempre o "ou" ao invés do "e" entre nossos conceitos e idéias...

Basta observar à nossa volta: Algumas florestas só se renovam após um incêndio, pois suas sementes são abertas somente pelo calor extremo...
O Sol aquece a Terra, trazendo vida, graças à "morte" e destruição em seu núcleo...

Eu aprendi a respeitar e reverenciar a Morte, logo aprendi que não devo temê-la: Ela ensina àqueles que abandonam o receio de olhar em seus olhos, tudo o que há de verdadeiramente valioso na Vida, nos livrando de Ilusões. Não escolhi Morrighan como minha patrona: Ela é que escolhe seus filhos e filhas com severidade, mostrando seu lado cruel e muitas vezes doloroso, pois não escolhe fracos: É preciso ser digno Dela, antes de se revelar tão amorosa quanto todas as outras Deusas, até as mais maternais...Pois como uma boa Mãe, ela antes de tudo procura preparar seus filhos para enfrentar o Mundo com bravura e coragem.
Eu me orgulho de ter sobrevivido à escolha Dela, e agradeço por tudo o que passei: sou muito do que sou hoje graças à Ela. Ao perder o medo de encará-la, pude finalmente ver seu rosto belíssimo, ao invés de uma face assustadora, como sempre é esperado. 
Aprendi a valorizar muito mais cada minuto ou momento, cada comida saborosa, cada música que me emociona, cada risada ao lado dos que amo...
Pior do que temer a Morte é viver com medo de viver intensamente, de errar e arriscar,  de recomeçar. 

Que na minha morte, eu possa olhar para a vida que levei e possa sorrir, sem arrependimentos, diante Daquela que sempre me guiou no campo de batalha.


Sheila Chandra: Lament of McCrimmon/Song of the Banshee


domingo, 21 de agosto de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Memórias em Vermelho

Som de gritos.
Som de metal.
Confusão.
Estou no meio de uma batalha. Estou coberto de lama e sangue. Há uma confusão ensurdecedora por todos os lados. Um homem surge de repente com um machado, avançando e gritando em minha direção. Consigo desviar e o atinjo com uma longa espada. Minhas mãos estão cobertas por manoplas e couro. A resistência da lâmina na carne seguida pelo deslizar suave. Sinto um empurrão pelas costas e caio com o rosto na lama. Luto pra me levantar em meio ao tumulto.
...
Estou em casa. No meu quarto. Uma mulher canta e posso ouvi-la pela janela alongada, dividida em três, em uma grossa parede de pedra. É uma mulher cuidando de uma horta. A luz do dia fere meus olhos. A canção é doce e cheira a lar, família...
...
Uma cama grande, uma mesa com pergaminhos, próxima à janela. Uma armadura em uma estrutura de madeira e um estandarte na parede. Vermelho com uma wyvern amarela. O mesmo desenho em um pergaminho na mesa.Uma velha senhora com roupas de criada entra e anuncia alguém. Um homem alto com barba e cabelos longos, negros como plumas de um corvo, perspicazes olhos azuis, entra e me saúda com alegria. Traja uma armadura escura e gasta. Fala algo que não compreendo e me entrega um tubo metálico. Parece conter algum documento. Sinto ser um amigo verdadeiro, quase um pai. Parece preocupado ao se despedir.
...
Estou diante de um castelo, em pé na neve que quase chega aos meus joelhos. Peles cinzentas cobrem meus ombros e aguardo algo. Observo os portões escuros e enormes, imaginando que não são abertos há muito tempo, pois estão muitos cobertos pela neve. Como vou entrar? De repente de uma portinhola escondida, surge um velho senhor e um cãozinho de pelos negros que me cerca feliz. Convida-me a entrar com reverência e faz sinal para que eu o acompanhe. Estandartes vermelhos com três leões amarelos agitam-se ao vento gélido de um dia cinza, no grande pátio interno. Uma visita a um amigo? Aliado?
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Cheiro de comida. Muitas pessoas circulando, com animais e cargas, gritando e trabalhando. Uma feira! Um grande pedaço de carne está sendo assado em uma grelha por um homem. Eu aguardo, observando as pessoas. Um menino surge em meio a elas correndo em minha direção, e me entrega um pão branco. Some novamente apressado. Como o pão e o cheiro da carne me faz sorrir. Depois da guerra, estou perto de casa...
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Seus cabelos são claros, avermelhados: o pôr do sol aprisionado em fios. Se move como um cisne, altiva e certa de sua beleza. Mas seus olhos são o que mais surpreendem. São como um lago límpido e esverdeado. E sorri sempre, um sorriso luminoso e puro. Parece muito feliz. Veste branco e dourado, às vezes vermelho e branco. No jardim outras damas brincam e ela pratica com um arco, olhando pra mim e rindo, envergonhada quando erra.
...
As pedras estão ali a mais tempo do que até os mais velhos podem se recordar...Estou vestindo a armadura, e com uma das mãos descoberta, toco aquelas rochas. Centenárias? Milenares? Não sei. Mas sinto um respeito ancestral por elas. Sinto a presença de algo Sagrado apenas por estar ali.
Sinto o musgo sobre elas. Respiro o ar frio da manhã. Acaricio a rocha pronunciando palavras que parecem uma oração por proteção. Estou perto de casa, mas não estou indo para lá...Volto-me e observo o exército com bandeiras vermelho-sangue ao vento gélido, aguardando no horizonte.
...
Escuridão. Uma luminosidade, de repente, no canto de um quarto. Uma velha mulher se ergue e me entrega...Um bebê? Um bebê, ensangüentado e com o cordão umbilical. Desajeitado, eu o seguro com as luvas de metal frio na carne macia e desprotegida. Observo seu rosto belo por um longo tempo e abro um sorriso. Corro para fora com a criança e várias pessoas aguardam na noite iluminada por tochas fincadas na terra. Ergo o bebê para todos, orgulhoso.Todos urram, bebendo da minha felicidade.
...
Afundando.
Estou afundando. Abro os olhos e na água há pedaços de madeira, cavalos nadando e homens mortos. Sangue, fogo. Mãos me agarram e me puxam para cima. Um garoto e o amigo de armadura escura me auxiliam e me forçam a correr. Apóiam-me pelos braços e corremos para uma carroça de feno no meio da batalha. De repente algo quente, úmido me atinje o rosto. A cabeça de meu amigo é atingida ao meu lado e ele cai. Dor, raiva, desespero. Quero voltar, mas estou fraco, o garoto praticamente arrasta-me para a carroça e ela sai em disparada.
...
Um garotinho de cabelos dourados, olhos grandes e claros corre desajeitado em minha direção. Entrega-me um cavalinho de madeira com rodas e volta para a mãe que sorri orgulhosa. Seguro aquele cavalinho de criança, rindo. Momentos em casa. Paz. Felicidade. Minha família amada...
Antes da guerra.
Não quero pensar nela. Aproveito a paz enquanto posso no jardim com arcadas de pedra...O riacho rodeado de pedras pontiagudas e floresta no fim do gramado... Lavo meu rosto no espelho negro e profundo. Tenho cabelos longos na altura do peito, escuros, talvez castanhos. A barba bem aparada, olhos azuis. Sorte da esposa: Até que sou apresentável...
Nado várias vezes no riacho frio. Minhas roupas secam no corpo enquanto cavalgo de volta pra casa. Bons momentos entre uma batalha e outra. 
Até quando? 
...
Um garotinho de cabelos dourados chora...
Sujo de fuligem, em meio aos corpos espalhados pelo que um dia foi sua aldeia. Ele me encara com seus olhos azuis. Algumas casas ainda queimam, e os sobreviventes ainda são executados pelos homens sob a bandeira vermelho sangue.
Eu caminho lentamente até ele. Lembro-me do meu filho, mas esse não é um do meu povo, do meu clã. Ele não recua, apesar de chorar mais intensamente. Seria um bom soldado. Seguro seus cabelos muito claros, quase brancos, ergo a lâmina e procuro ser rápido.
Caminho entre os corpos dos aldeões com o pequeno troféu. 
Não há orgulho, apenas dever.
...
Ela sorri, correndo por entre as rochas ancestrais, como que escondendo-se de mim por entre os troncos de uma floresta de pedra. Tento alcançá-la, sem sucesso. Ela deixa que eu a pegue. Seus olhos dizem o que é preciso dizer, quando o coração só escuta outro coração.
...
Ela não está mais sorrindo. Senta-se ao meu lado junto ao fogo da lareira e encosta sua cabeça no meu ombro. Juntos olhamos para o fogo. Sei que ela está triste. Não me lembro de ela estar triste antes dessa noite, a não ser antes de uma viagem para a guerra. Ajoelha-se e chora com o rosto afundado em minhas mãos. Acho que ela sempre foi muito feliz ao meu lado. Penso que quanto a isso, eu não falhei. Fazer uma esposa feliz...
...
Na porta da catedral dois grupos armados entram em conflito. Uns empurram os outros e o sacerdote intervem. Felizmente ninguém saca suas armas. Guardas rosnam impedindo que eu e meus homens entremos no templo. Olho para cada um, penetrando seus olhos, e me retiro com os outros. Não sei se fui até lá para rezar... Por que não pudemos entrar?
...
Meus pulsos, amarrados por grossas cordas escuras, em uma pesada cadeira de madeira. Minha camisa, rasgada e imunda. Não consigo mover a cabeça... não consigo olhar para os lados. Uma porta, com uma pequena janela com barras de ferro, duas tochas na parede à minha frente. Uma sala pequena e nenhuma outra luz. Sinto meu coração acelerar. Eu grito. Grito muito.
...
Um lugar apertado, abafado. Escuridão. Sons. Uma porta se abre e sou violentamente puxado de dentro de um...Caixote em pé? Caixão?
Dois homens me empurram.
Caio com o rosto na pedra áspera. Alguém com trajes sacerdotais em vermelho se aproxima de mim, ainda de joelhos e cabeça baixa. O rosto arde. Ele se abaixa. Um homem de cabelos brancos, curtos, e olhos azuis. Um azul frio, metálico. Está furioso, agitando papéis diante de meu rosto. Continuo ouvindo, de olhos baixos. Então o encaro diretamente, derramando meu desprezo em seus olhos. E cuspo. Ele se ergue, limpando-se com um lenço, enquanto sou espancado pelos dois homens.
Não me arrependo...
...
Noite. Um luar magnífico... Sinto a madeira do poste em que estou preso. Apoio minha cabeça nele, desolado. Logo abaixo um sacerdote em vermelho faz o sinal da cruz, cercado de outros homens.
Vermelho, sempre essa cor...Como a bandeira que defendi...Como o pôr-do-sol nos cabelos dela...Como a água do riacho, quando eu me banhava depois de uma batalha, lavando a armadura do sangue dos derrotados...e de amigos perdidos...
Não sei o que houve com minha família. Estarão bem? À minha esquerda, uma grande construção. Na noite só consigo ver pouco dela, graças ao fogo que começa a queimar aos meus pés e ao luar banhando tudo. Parece ser uma igreja. É grande, talvez uma catedral.
Terei falhado? Continuo a olhar para o prédio, e começo a sufocar, enquanto um grande sentimento de abandono toma conta de mim.
Abandono? Por minha família? Por meus aliados? Não sei. Apenas...Abandono. 
Escuridão.

Abro os olhos.

Mas hoje, sei que não é o fim...